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Elementos da Alt-Right Brasileira

  • Foto do escritor: Apheos
    Apheos
  • 17 de mar.
  • 32 min de leitura

Atualizado: 18 de mar.

Por: Apheos



PREFÁCIO


Este texto não se propõe a ser doutrinário, nem a servir como um guia para qualquer prática ou movimento. Ele surge, antes, de uma série de observações e deduções, um fio que se desenrolou durante uma conversa com um grande amigo meu e que, para minha surpresa, acabou por tomar proporções que, sinceramente, eu não antecipava. Ao longo da redação, muitas vezes encontrei-me diante de obstáculos, batendo contra o muro da dúvida, tentando entender quais são as conexões genuínas entre os pontos que busco traçar. Fui desmotivado em diversas ocasiões, mas, ao final, consegui organizar os pensamentos de forma a construir algo coerente e significativo. Os primeiros sete tópicos apresentados constituem um mapa da forma como percebo o processo das coisas e a maneira como elas impactam as dinâmicas humanas. A partir disso, sou capaz de deduzir as possíveis motivações de uma dissidência emergente, uma dissidência que se apresenta como algo inteiramente novo, distinto de tudo o que vimos surgir no Brasil desde a Proclamação da República e a ascensão do Estado Positivo. Gostaria também de expressar minha profunda gratidão aos muitos amigos que, com paciência e generosidade, se dispuseram a me escutar e a contribuir para esta empreitada. Eles me emprestaram suas perspectivas e ajudaram a aprimorar o texto, tornando-o mais sólido e sofisticado. O que espero com este texto? Minha intenção é amadurecer o germe político e intelectual que, sob uma perspectiva mais ampla, encontra-se defasado. Espero que este trabalho inspire outros a desenvolverem uma verdadeira caridade hermenêutica e que não caiam nas armadilhas ideológicas que, hoje, dominam qualquer nova forma de pensamento dissidente. Creio que esta "Alt Right" tem um futuro desvinculado das mesquinharias que assombram os debates apodrecidos da atual "direita".


Análise da Vontade Particular e Coletiva.


Iniciemos a análise pela forma mais elementar da vontade, aquela que surge da percepção de ausência. Consideremos, como exemplo, um soldado cuja percepção de sua própria limitação no combate o leva a aprimorar suas habilidades para proteger e defender melhor sua vida. Neste contexto, é essa percepção de uma deficiência individual que impulsiona o soldado a buscar desenvolvimento e excelência, caracterizando o que podemos chamar de vontade particular. A vontade particular refere-se, assim, à manifestação dos desejos e aspirações de um indivíduo específico. No caso do soldado, essa vontade pode estar orientada a metas pessoais, como melhorar sua pontaria, aumentar sua resistência física ou aprimorar estratégias de sobrevivência. Contudo, além dessa vontade individual, há uma vontade coletiva que transcende o âmbito particular e sintetiza os objetivos de todos os envolvidos. No contexto militar, essa vontade coletiva se manifesta na busca pela vitória e segurança da unidade, o pelotão, ou mesmo de toda a nação. Embora cada soldado tenha motivações e objetivos pessoais, a vontade coletiva consolida esses interesses individuais em prol de um fim comum. Dessa forma, a vontade particular de cada soldado contribui para a constituição de uma vontade coletiva, que direciona as aspirações e esforços individuais em uma única direção. A eficácia da unidade militar depende da atuação de cada soldado, ao mesmo tempo em que cada soldado é moldado pela dinâmica coletiva de sua unidade. Esse princípio de interdependência entre o individual e o coletivo é uma constante em diversos contextos sociais. Um exemplo histórico claro dessa dinâmica foi a mobilização britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Após os bombardeios sobre Londres e outras cidades, cada cidadão e soldado britânico, afetado pela ameaça da ocupação nazista, tinha suas próprias angústias e motivações, desde o desejo de proteger suas famílias até a necessidade de vingança por amigos e familiares mortos. Essas vontades individuais uniram-se em torno de um sentimento comum: a defesa da pátria contra um inimigo externo. Essa convergência de vontades particulares, fortalecida pela experiência de um inimigo comum e pelo sofrimento coletivo, gerou uma vontade coletiva. Sob a liderança de Winston Churchill, a sociedade britânica consolidou suas forças em uma determinação unificada, que ficou marcada pela resistência inabalável durante o período de "We Shall Fight on the Beaches". A síntese dos interesses e aspirações individuais resultou em ações organizadas, não apenas no campo de batalha, mas também no fortalecimento de uma coesão social que mobilizava a população em prol de um único propósito: a sobrevivência e a vitória da nação. Assim, a resistência britânica exemplifica como vontades particulares, em tempos de crise, podem convergir para formar uma vontade coletiva que orienta ações organizadas. Esse processo, em última instância, ajudou a redefinir o panorama político e social da Inglaterra e do mundo, evidenciando o papel transformador de uma vontade coletiva firmemente consolidada. Essa dinâmica entre vontades particulares e coletivas não é exclusiva deste evento histórico, mas pode ser observada em diversas situações de mobilização social ao longo da história, revelando a complexa interação entre o indivíduo e o coletivo na construção de mudanças políticas e sociais.


Identificação Cultural e Expressão Estética.


Ao se relacionarem dentro do grupo, essas vontades não apenas se transformam, mas também moldam a dinâmica do próprio grupo. Esses processos ocorrem de diversas maneiras, seja de forma separada ou simultânea, abrangendo aspectos como vestimentas, gírias, jargões, maneirismos e hábitos alimentares. Essa interação revela a gênese de uma cultura local. Pode-se afirmar que quanto mais complexo for esse corpo cultural — isto é, quanto mais elementos compuserem essa esfera — mais estável e duradoura se torna a identificação cultural das pessoas envolvidas. A estética desempenha um papel crucial nessa dinâmica, servindo como o meio pelo qual se realiza a comunicação de símbolos, tanto de forma verbal quanto não verbal. Compreendo a estética como a sintonia entre o exterior e o interior; é por meio da estética que se manifestam os símbolos unificadores de uma vontade específica, capazes de cativar os corações e as mentes das pessoas. A compreensão estética, quando realizada por um artista genuinamente autêntico, possui o potencial de edificar um movimento coletivo, uma vez que esse artista é capaz de ressoar uma verdade que é reconhecida por um grupo que compartilha a mesma realidade, mesmo que a verdade anunciada seja apenas uma meia verdade. A dimensão emocional é significativa na estética, suscitando reações afetivas, tanto positivas quanto negativas. A interpretação, por sua vez, é crucial na apreciação estética, questionando como uma obra é compreendida e como diferentes perspectivas influenciam essa compreensão. A interpretação individual se articula constantemente com a realidade dos pares, construindo um aporte interpretativo que enriquece a experiência coletiva.

Essa relação entre arte e realidade aprofunda a investigação sobre a interação entre a vontade individual expressa na arte e a vontade geral que permeia a comunidade. A imitação e a representação são fundamentais nesse contexto; ao serem uma relação exclusiva do indivíduo com sua realidade, requerem "distorções" para a expressão artística. A arte coletiva, geralmente representada por um artista individual, é acolhida pela coletividade, enquanto outras manifestações podem ser vistas como imitações simpáticas às obras desse artista. Assim, o artista se torna uma figura central nesse processo. Um exemplo que ilustra essa relação pode ser observado na obra de artistas da Música Popular Brasileira (MPB), como Chico Buarque e Caetano Veloso, que, ao longo de suas carreiras, dialogaram diretamente com a realidade sociopolítica do Brasil, especialmente durante os anos de ditadura militar. Esses músicos não apenas refletiram a cultura local, mas também serviram como porta-vozes das aspirações de seu meio, estabelecendo uma conexão intrínseca entre sua estética e as ideologias revolucionarias promovidas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ao interagirem com seu público, Chico e Caetano moldaram as vontades individuais dentro de uma dinâmica coletiva, onde a arte se tornou um meio de comunicação de símbolos que unificavam uma vontade específica: a luta pelo fim da ditadura e ascensão política. Através de suas letras, eles conseguiram capturar as nuances das experiências vividas pelo povo, transformando a dor e a esperança em canções que ecoam na memória coletiva. A música "Construção", de Chico Buarque, exemplifica essa capacidade de ressoar com o público. Ao abordar a desumanização dos trabalhadores na sociedade contemporânea, a obra suscita reações emocionais profundas, evocando a identificação de muitos brasileiros com as injustiças retratadas. Dessa forma, a estética se manifesta como um meio potente de resistência, onde a arte não se limita a entreter, mas se torna uma ferramenta de mobilização social. Assim, a compreensão estética, quando articulada por artistas verdadeiramente autênticos, não apenas edifica um movimento coletivo, mas também ressoa verdades que são identificadas por grupos que compartilham uma realidade comum. A dimensão emocional das obras, aliada à interpretação que se articula com as vivências dos pares, enriquece a experiência coletiva, aprofundando a relação entre a vontade individual expressa na arte e a vontade geral que permeia a comunidade. Nesse contexto, a imitação e a representação tornam-se essenciais, uma vez que a expressão artística exige "distorções" que permitem ao artista individual conectar-se com a realidade de sua coletividade, solidificando sua posição como figura central nesse processo cultural.


Confronto e Unificação


Quando a vontade geral reconhece a sua não exclusividade, ela torna-se ciente da existência de outras vontades similares. Nesse contexto de coexistência, a vontade geral se depara com duas possíveis direções: 1. Integrar-se e unificar-se com outras vontades gerais, ou 2. Adotar uma postura de confronto, buscando suprimir as demais. Um exemplo contemporâneo dessa dinâmica pode ser observado nos conflitos entre movimentos sociais, como os enfrentamentos entre ativistas ambientais e grupos de exploração econômica, que frequentemente representam interesses divergentes em torno de questões como a preservação ambiental versus o desenvolvimento econômico. Tais confrontos muitas vezes não refletem o verdadeiro potencial que esses grupos podem alcançar, pois, apesar de suas mobilizações, frequentemente não conseguem atingir seus objetivos e acabam esmorecendo. Para ilustrar essa questão, podemos recorrer à Revolução Francesa (1789-1799), um período em que diversas vontades gerais emergiram em resposta à opressão do Antigo Regime. Vários grupos, como os Girondinos e os Jacobinos, buscavam promover uma transformação social e política na França. Embora ambos os grupos vissem a necessidade de mudanças radicais, suas abordagens e objetivos divergem significativamente. Os Girondinos, por exemplo, defendiam uma revolução mais moderada e a preservação de algumas instituições, enquanto os Jacobinos propunham uma abordagem mais radical, almejando a eliminação completa das estruturas de poder existentes. Esses dois grupos frequentemente entraram em conflito, resultando em debates acalorados e confrontos violentos, que culminaram em eventos como a Convenção Nacional e o Reinado do Terror. Neste cenário, Maximilien Robespierre emergiu como uma figura central, reformulando as estratégias dos Jacobinos e promovendo uma estética de unidade revolucionária, que evocava um forte senso de pertencimento e propósito entre os cidadãos. Ele apresentou essa visão como um retorno aos ideais republicanos, que prometia suprir todas as faltas de Luís XIV. A rápida adoção da mensagem jacobina por setores amplos da sociedade, incluindo alguns dos simpatizantes moderados, evidencia a eficácia da retórica e da estética promovidas por Robespierre. À medida que os Jacobinos consolidavam seu poder, os Girondinos e outros grupos opositores foram progressivamente marginalizados, culminando em sua erradicação. Os sobreviventes frequentemente se viam forçados a se adaptar ao novo regime ou a viver na clandestinidade, suprimindo suas vontades individuais em favor da vontade coletiva. O exemplo da Revolução Francesa ilustra como a capacidade de reformular a mensagem e a estética pode influenciar a adesão e a transformação de grupos. A história demonstra que, em conflitos entre movimentos sociais ou políticos, uma liderança carismática pode alterar profundamente a trajetória coletiva, convergindo vontades gerais e suprimindo oposições.


Interdependência das Dimensões Humanas


A análise detalhada das categorias fundamentais da experiência humana, conforme delineadas por Edmund Husserl, permite uma compreensão mais ampla dos processos de integração e extinção das vontades coletivas no contexto social e individual. A busca por plenitude, que impulsiona o ser humano, pode ser explorada por meio de dimensões interligadas que desempenham um papel central na formação do indivíduo e na sua interação com o meio social. A seguir, apresentaremos quatro categorias fundamentais para a análise, são elas:


Ordem Fisiológica/Biológica: Esta categoria diz respeito à interação do ser humano com o ambiente natural, incluindo o clima, o terreno e a alimentação. Esses fatores são determinantes na formação das capacidades físicas e neurológicas do indivíduo. O ambiente molda tanto o desenvolvimento corporal quanto cerebral, o que, por sua vez, impacta a forma como o indivíduo percebe e interage com o mundo. A biologia humana, portanto, não é uma constante estática, mas um processo contínuo de adaptação e resposta às condições ambientais. Nesse sentido, a delimitação do espaço, a determinação de fronteiras e a noção de propriedade também fazem parte desse processo biológico. A necessidade de segurança e a busca por recursos adequados à sobrevivência influenciam a criação de limites territoriais, sejam eles físicos ou simbólicos. Aqui, o "eu" começa a se posicionar em relação ao "outro", estabelecendo as bases iniciais para a construção de uma identidade individual.


Formação Psíquica: A formação psíquica é a dimensão onde a subjetividade do indivíduo se manifesta, possibilitando o desenvolvimento da consciência de si. É nesse espaço interno que ocorre o processo de reflexão, permitindo que o ser humano nomeie a si mesmo e enfrente os dilemas existenciais que surgem no decorrer da vida. O desenvolvimento psíquico está intimamente ligado à complexidade do próprio sistema de pensamento, que envolve a interação entre a razão e a imaginação, objetividade e subjetividade. Esse processo psíquico é crucial, pois é aqui que se forma a "régua" individual com a qual o ser humano mede e avalia o mundo ao seu redor. A capacidade de entender e interpretar as circunstâncias da vida é moldada por experiências e percepções internas, que por sua vez influenciam como o indivíduo constrói suas relações e escolhas. A formação psíquica, portanto, é um componente central na autocompreensão e no desenvolvimento de uma visão crítica do próprio papel no universo social e histórico.


Relações Coletivas: Esta categoria se refere à maneira como o indivíduo se posiciona em relação aos outros dentro do coletivo. O ser humano, por sua própria natureza social, não pode existir de forma isolada. Assim, ele ajusta constantemente sua "régua" pessoal, mencionada anteriormente, para se adaptar às expectativas, normas e valores dos grupos aos quais pertence. Esse ajuste envolve tanto a supressão do "eu" em favor do "nós" quanto a reafirmação do individual em situações de conflito ou divergência com a coletividade. Nas relações coletivas, ocorre o primeiro movimento de extinção da individualidade, quando o sujeito se dissolve em favor de uma causa ou identidade coletiva. Esse processo é essencial para a construção de sociedades, pois, sem essa supressão parcial do ego, a coesão social seria inviável. Contudo, essa supressão também pode gerar tensões, quando a vontade individual entra em conflito com a vontade geral, levando à necessidade de negociação e equilíbrio entre o pessoal e o coletivo.


Ordem Espiritual: A ordem espiritual abarca a dimensão da fé e da transcendência, frequentemente desconsiderada por não possuir uma fundamentação empírica clara. Entretanto, a espiritualidade exerce uma influência significativa sobre a vida humana, moldando não apenas crenças, mas também costumes, propósitos e valores. A religiosidade, por exemplo, pode fornecer o arcabouço necessário para que indivíduos e sociedades enfrentem crises e se fortaleçam diante de desafios existenciais. Ao falar de espiritualidade, não se trata apenas de uma crença em entidades divinas, mas de uma compreensão mais ampla do sentido da existência. A máxima "Conhece-te a ti mesmo", advinda do oráculo de Delfos e refinada por Sócrates, adquire aqui um significado profundo. Ao conhecer a si mesmo, o indivíduo se aproxima do entendimento das leis universais e do conceito de "deuses", que pode ser interpretado como representações simbólicas de aspectos da própria identidade e da realidade em que o ser humano está inserido. A espiritualidade, portanto, não se limita à crença em uma divindade, mas abarca toda uma dimensão de valores que transcendem o tempo e o espaço. Esses valores atemporais fornecem uma base sólida para a construção de virtudes e costumes que resistem às mudanças e às pressões do contexto histórico. Ao examinar essas quatro categorias, percebemos que todas elas estão interligadas e interdependentes. A biologia humana influencia o desenvolvimento psíquico; as relações sociais moldam a identidade individual; e a espiritualidade oferece um horizonte de sentido que transcende as limitações temporais da existência. Dessa forma, ao integrar essas diferentes dimensões da experiência humana, tornase possível alcançar uma compreensão mais profunda da busca por plenitude. Essa busca não se limita a uma única categoria, mas é um processo holístico que abrange o ser como um todo, reconhecendo a importância de cada aspecto da existência. A complexidade da vida humana reside justamente nessa intersecção entre o físico, o psíquico, o social e o espiritual, e é nessa dinâmica que encontramos as respostas para muitas das questões existenciais que nos movem. A partir dessa análise, torna-se claro que a compreensão da plenitude humana depende do reconhecimento da interconexão entre essas categorias, e que a verdadeira realização só pode ser atingida através da harmonização dessas diferentes facetas da existência. Culminando em um ser verdadeiramente, autentico.


Autenticidade e Autoconhecimento como Forças de Transformação


Para realizar uma análise aprofundada sobre o tema proposto, é fundamental primeiro compreender o arcabouço conceitual que sustenta essa reflexão. Quando falamos sobre o "falecimento" de uma ideia, estamos nos referindo à sua perda de viabilidade dentro de um determinado contexto histórico. Essa viabilidade é moldada por condições específicas que possibilitam a concepção e implementação dessa ideia. No entanto, tais "soluções" tendem a ressurgir ao longo do tempo, sempre que as circunstâncias exigem, adaptando-se às novas demandas da sociedade e apresentandose sob formas, símbolos e propósitos diferentes, mas com o mesmo objetivo fundamental. As questões que atravessam a condição humana e suas preocupações essenciais permanecem, em sua essência, notavelmente consistentes ao longo da história. Perguntas como "O que farei amanhã?", "Devo tomar esta decisão?", "Como serei percebido pelos outros?" e "Quem realmente sou?" continuam a ocupar o centro das preocupações humanas, independentemente do tempo ou lugar. Essas questões não são superadas, mas reconfiguradas, ajustando-se ao contexto histórico e cultural em que se encontram, mantendo sua relevância e urgência conforme as circunstâncias exigem. Essas preocupações são reflexos de uma dinâmica interna e profunda, relacionada à relação do indivíduo consigo mesmo. Quanto mais a pessoa se dedica à autoanálise, mais ela reconhece seus excessos e limitações, aprendendo a ajustá-los de acordo com o ambiente e as interações sociais. Esse processo de autoconhecimento não apenas simplifica a vida, mas também torna as questões que a rodeiam mais compreensíveis e solucionáveis. Além disso, a autoanálise contribui para o desenvolvimento de uma autenticidade genuína, um estado de ser em que o indivíduo se alinha com sua essência verdadeira e resiste à submissão total às pressões externas. A autenticidade, neste contexto, emerge como um princípio fundamental na formação da vontade geral. Ela está intrinsecamente relacionada à sinceridade com o próprio eu e à recusa em abdicar das convicções pessoais diante das influências externas. Essa fidelidade interna inspira figuras históricas que, por meio de sua autenticidade, provocam revoluções em seus contemporâneos. Essas personalidades, muitas vezes mártires de suas épocas, demonstraram coragem em sustentar suas convicções, independente da aceitação social. Alinhadas com as demandas de seu tempo, elas fomentaram transformações, seja pela força direta de suas ações ou pela influência indireta de seus exemplos. A máxima "Conhece-te a ti mesmo", inscrita no Templo de Apolo em Delfos, é uma das mais icônicas da filosofia grega e exerceu um impacto profundo sobre a filosofia de Sócrates. Derivada do Oráculo de Delfos, essa máxima tornou-se central no pensamento socrático, conforme registrado por seus discípulos, particularmente Platão. Sócrates considerava o autoconhecimento como a base de toda sabedoria. Ao relatar o conselho do Oráculo de Delfos, que o considerava o homem mais sábio da Grécia, Sócrates, na célebre obra Apologia, revela sua perplexidade com a afirmação, já que ele próprio se considerava ignorante. A partir disso, ele deduziu que sua sabedoria residia na consciência de sua própria ignorância—a chave para o verdadeiro autoconhecimento. Platão relata essa reflexão:


"Eu não sei se vocês se lembram de que, quando fui ao Oráculo de Delfos para saber se havia alguém mais sábio do que eu, a resposta do Oráculo foi que não havia ninguém mais sábio do que eu."


Apologia de Sócrates


Esse reconhecimento da própria ignorância permitiu que Sócrates transcendesse os limites da vontade geral, governando sua própria existência com base em uma introspecção profunda. Ele passou a ser guiado por um entendimento interno, moldado por suas próprias reflexões, ao invés de ser dirigido pelas expectativas externas. Esse tipo de pensamento, construído e disseminado por Sócrates e seus discípulos, influenciou decisivamente toda a civilização ocidental, estabelecendo uma fundação intelectual que ainda reverbera nos dias atuais. Dessa forma, a análise sobre a autenticidade e a relação do indivíduo com sua própria essência, bem como a máxima socrática "Conhece-te a ti mesmo", revelam-se fundamentais para entender as dinâmicas da vontade geral e a influência que figuras autênticas exercem sobre o curso da história.


O Ideal e o Pratico


Ao longo da história, vemos que os valores das sociedades se moldam conforme os contextos e os períodos específicos. Mas, mesmo com essa diversidade, há uma dimensão subjacente que transcende as particularidades de cada época, a qual Lacan chama de "Grande Outro". Essa instância simbólica não se refere a um indivíduo ou um grupo específico, mas ao conjunto de normas, crenças e valores que conferem estrutura e coesão a uma sociedade. O "Grande Outro" é o tecido simbólico onde se estabelecem os significados compartilhados, e ele funciona como uma referência que ordena e orienta o que cada sujeito dentro dessa sociedade entende como o "certo", o "bom" e o "ideal". Não se trata apenas do que é aceito socialmente, mas do que é internalizado como desejo e como meta. Cada indivíduo, ao se desenvolver e encontrar questões fundamentais da vida, não o faz em um vazio, mas em relação a esse "Outro", que é um espelho e uma bússola simbólica. Conforme as sociedades avançam, os indivíduos se tornam mais conscientes e refletem sobre questões que lhes afetam profundamente. No entanto, mesmo os mais conscientes enfrentam limitações, pois lidam não apenas com as condições objetivas de seu tempo, mas com as normas e expectativas que o "Grande Outro" impõe. Esse "Outro" delimita a gama de possibilidades e interpretações dentro das quais se constrói o entendimento de bem-estar e de virtude. Assim, mesmo a ideia de "bem comum" não é algo que surge apenas da experiência subjetiva ou do entendimento individual, mas é mediada por essa instância coletiva e simbólica que cada sociedade forma, a qual os sujeitos tomam como orientação para as suas vidas. Virtudes como a prudência e a justiça, valores universais que persistem ao longo das eras, são exemplos de conceitos que, ao se cristalizarem em códigos e sistemas éticos, como o Código de Hamurabi, refletem não só a tentativa de organizar a sociedade, mas de responder a esse "Outro" que cada época e cultura expressa de modo próprio. Essas virtudes têm como pano de fundo um anseio comum que atravessa as culturas e que busca um equilíbrio entre os valores universais e os valores temporais, esses últimos mais maleáveis e adaptados às circunstâncias históricas específicas. O "Grande Outro" é, nesse sentido, um ponto de partida e de ancoragem para os valores ideais, ao mesmo tempo que permite a flexibilidade dos valores temporais, que se reconstroem conforme as demandas históricas. A fundação de Roma é um exemplo claro dessa dinâmica entre valores universais e valores temporais, em sua tentativa de enraizar uma identidade e uma continuidade histórica em torno de uma narrativa que se conecta ao "Outro". Ao olhar para a epopeia de Eneias, um herói que foge de Troia e encontra um novo lar, vemos que Roma não busca apenas uma origem para seu povo, mas uma relação com o "Outro" grego, imortalizado em Homero, que confere legitimidade e grandeza à sua história. Essa narrativa não apenas conecta os romanos a uma herança heroica, mas legitima seu lugar no mundo, espelhando e se vinculando a valores maiores, como resiliência e destino, que transcendem a vida individual e se enraízam no simbólico coletivo. O mito de Rômulo e Remo, por sua vez, reflete mais do que um conto popular: ele é uma expressão do "Grande Outro" romano, projetando valores e aspirações sobre a fundação da cidade e sobre o que a civilização romana deveria alcançar. Nascidos da união entre Marte, o deus da guerra, e uma vestal, os gêmeos carregam uma legitimidade divina e uma promessa de grandeza que molda a percepção coletiva da Roma que deveria ser. A imagem da loba que os amamenta não é meramente um símbolo de proteção, mas se torna um emblema de resiliência e de uma força maior que impulsiona o destino romano. Essa proteção divina e a presença do rio Tibre reforçam a ideia de renascimento e de um destino sagrado, que norteiam a cidade e lhe concedem um status que vai além do que poderia ser alcançado por simples ações humanas. A figura do pastor Fáustulo, que encontra e cria os gêmeos, representa o valor do cidadão comum que, ao zelar pela fundação da cidade, é também parte essencial de sua estrutura. Fáustulo simboliza a virtude de um povo que se torna o pilar fundamental de Roma e cuja lealdade e coragem sustentam a identidade romana. A muralha construída por Rômulo, que marca os limites da cidade, é também uma fronteira simbólica, um espaço sagrado que separa e define a identidade romana em relação ao "Outro". Essa muralha não apenas defende fisicamente a cidade, mas reafirma o seu papel e seu propósito dentro da ordem simbólica que a fundação mítica estabelece. Esses mitos, ao longo de gerações, consolidam uma base formadora que se revela como uma profecia autorrealizável, onde a narrativa e os valores inscritos pelo "Grande Outro" influenciam profundamente as instituições e as ações que dali emergem. A mitologia romana e a sua interpretação revelam uma constante busca pela materialização de valores ideais dentro das condições e limitações do contexto histórico. Nesse processo, o "Grande Outro" age como um guia e uma origem de significados, transmitindo, ao longo das gerações, o sentido da existência e da identidade coletiva. Esses mitos, portanto, são mais do que relatos sobre o passado; são projeções que moldam o futuro, uma tentativa de se entender o próprio lugar na ordem universal, onde o "Outro" confere legitimidade e direciona a contínua busca de uma sociedade pelo autoconhecimento e pela realização de seu destino.


Considerações Sobre a Dissidência


Nas dinâmicas sociais contemporâneas, torna-se evidente um notável aumento do moralismo e da sensibilidade a críticas. Vivemos em um contexto permeado por contradições e arbitrariedades ideológicas, que nos distanciam da percepção de nós mesmos como indivíduos autônomos, conduzindo-nos, em vez disso, por bandeiras bifurcadas e previamente determinadas. Nunca antes se exaltaram tanto as ciências sociais e naturais, assim como a sociedade hedonista, caracterizada pela busca incessante pelo conforto da tolerância universal e pela ênfase na subjetividade individual. Esta sociedade recusa-se a aceitar exclusões, priorizando sua vontade sobre a objetividade. Com uma inclinação dionisíaca e anti-intelectual, funda-se em premissas preconcebidas sobre a realidade, buscando respaldo em estudos científicos convenientes, enquanto interpretações contrárias são revisadas por “engenheiros sociais” amplamente aceitos no meio acadêmico. Tal fenômeno, que se poderia denominar “consenso científico”, é uma herança kantiana. Estes engenheiros sociais, em sua maioria, não são movidos por intenções maliciosas de dominação global; ao contrário, acreditam sinceramente em sua formação. Enclausurados em seus próprios labirintos floridos, já conceberam uma sociedade ideal, realizando um movimento inverso ao de Sócrates. A elite intelectual contemporânea, como um farol iluminado, molda o pensamento atual, sempre disposta a guiar os navegantes, oferecendo subsídios para a atuação na realidade. No âmbito acadêmico, forma-se uma versão menor do intelectual, aquele que, como um bardo, propaga as boas novas do templo sagrado onde foi iniciado. Comumente denominados professores, esses profissionais têm a função de instruir e guiar os novos aspirantes à maturidade intelectual, encorajando e corrigindo práticas com base em critérios acadêmicos. Os alunos, por sua vez, observam as instruções com relativa atenção, replicandoas em seus próprios meios. Este comportamento é natural e esperado dos estudantes, sendo os brasileiros especialmente virtuosos nesse aspecto. Os discentes rechaçam impiedosamente os opositores das ideias ensinadas, excluindo insurgentes e rebeldes, forçando-os a viver em verdadeiras catacumbas intelectuais, onde encontram segurança e liberdade de pensamento. Isolados das benesses sociais, esses indivíduos tendem à solidão, que demanda uma forma peculiar de ocupação. Sem modelos de comparação, são compelidos a explorar seus próprios gostos, tornando-se sujeitos autênticos. Na construção da ideia de vontade geral, a interação entre as pessoas é essencial para o desenvolvimento das formas sociais. Contudo, as interações contemporâneas são singulares e sem precedentes históricos, exigindo uma análise própria. Fóruns de discussão sobre os mais variados temas, desde entretenimento até filosofia clássica, reúnem grupos que interagem de maneira ímpar, criando laços de amizade, inimizade, admiração e repulsa. Nesses ambientes, encontramos a "persona non grata" da sociedade, o dissidente. À medida que essas vontades se manifestam, surgem hierarquias de influência que não privilegiam o carisma ou as habilidades sociais, mas o conhecimento específico, mesmo que este seja questionável. Essas hierarquias sociais se entrelaçam, demandando uma busca por um conhecimento cada vez mais profundo, levando à descoberta de autores especializados e menos conhecidos. A expressão dessas ideias forma novos grupos cada vez mais especializados, transformando indivíduos empenhados em detentores de respostas completas sobre o assunto, tornando-os centrais nas discussões. À medida que essas "Pols" se densificam, sua esfera de influência cresce, exigindo uma ordenação por parte dos fundadores. Regras são criadas, e o que antes era um micro-organismo autorregulado transforma-se em um macro-organismo com diretrizes, leis e estatutos. Este processo organiza pensamentos mais claros e direcionados, transformando um ambiente anárquico em uma trilha bem sinalizada, atraindo indivíduos menos corajosos pela promessa de respostas. Com o crescimento da vontade geral, emergem divergências internas que dão origem a ramificações, não tão criteriosas, transformando a busca genuína por respostas em uma disputa política, onde as habilidades sociais ganham protagonismo, relegando a “elite intelectual” a um segundo plano. Esta “nova aristocracia” traz consigo o ethos e as crônicas do grupo, influenciando politicamente e dominando mentes mais fracas por meio da intimidação intelectual e burocrática. Compreendemos, assim, o funcionamento da vontade corrente nos grupos sociais que orbitam esferas maiores e como ela mesma cria sua antítese. A dissidência se inicia na exclusão voluntária e se condensa em grupos de renegados que buscam a ordem apolínea, representando certezas concretas, beleza objetiva e alta cultura, suprindo a falta de ordem em seus corações. Como anteriormente mencionado, cada ser humano possui, em seu horizonte de percepção, uma bússola que orienta suas prioridades, moldando sua competência em determinadas áreas com base no foco. A percepção é o processo pelo qual o indivíduo capta e interpreta informações do mundo ao seu redor por meio dos sentidos. Considerada a base da experiência e do conhecimento, a percepção atua de forma ativa na formação da compreensão da realidade e, portanto, na formação do próprio indivíduo. A importância que um indivíduo atribui a diferentes aspectos da vida, através de seu horizonte perceptivo, influencia diretamente seu desenvolvimento e excelência nessas áreas. Dessa forma, os níveis de excelência são mais avançados à medida que o foco perceptivo é direcionado para áreas específicas e valorizadas, refletindo diretamente no potencial de desenvolvimento. A partir deste fundamento, podemos observar certos tipos de pessoas que, ao não compreenderem ou não conseguirem compreender profundamente seus respectivos estados de percepção, se limitam a perceber, em seu horizonte, apenas aquilo que lhes é necessário para a manutenção de seu próprio foco. Ao se unirem, constroem verdadeiros coletivos organizados apenas na discussão e na apologia àquele horizonte de foco. Essas pessoas eu chamaria de “Adeptos”, por não serem totalmente autênticas, mas sim, de pensamento sectário.


Os Adeptos da Carne (psíquico): O homem é soberano e moldador do aço, ele é em si mesmo, seu próprio rei!


Este grupo direciona sua atenção à formação individual por meio da inovação tecnológica e da eficiência econômica. Valorizam o conhecimento praxeológico e tecnológico como instrumentos essenciais para o desenvolvimento pessoal e a maximização do potencial individual. Sustentam que a educação e a capacitação tecnológica são cruciais para o aprimoramento das habilidades e competências dos indivíduos, capacitando-os a enfrentar desafios e aproveitar oportunidades de forma mais eficaz. O foco recai sobre a criação de ambientes que favoreçam o crescimento individual, impulsionados pela tecnologia e pela inovação, com a crença de que o fortalecimento das capacidades individuais contribui para o progresso coletivo e para a realização pessoal. Os defensores do mercado, do capital, da tecnologia e do princípio da eficiência máxima tendem a enxergar o mercado como a solução primordial para as contradições de uma sociedade que caracterizam como "ladra, tirânica e assassina", utilizando um vocabulário distintivo. Buscam a promoção do indivíduo justo acima de tudo, fundamentando seus princípios em uma base moral. Além disso, é comum que esses defensores busquem uma forma de autoidentificação por meio de suas capacidades e posses, tratando-as como extensões legítimas de sua identidade. Essa orientação configura uma antítese à ineficiência estatal na gestão de suas finanças e na implementação de políticas públicas que consideram duvidosas e claramente ineficazes, refletindo um sentimento de injustiça em relação a si mesmos. Embora não neguem a existência de uma hierarquia natural entre os indivíduos, se opõem ao Estado, preferindo um tipo peculiar de "neo-feudalismo" que evoca as liberdades feudais de cada proprietário de terras sobre suas propriedades e a liberdade dos indivíduos de transitar entre fronteiras. Pensamento de tipo burguês.


Os Adeptos da Vontade (Coletivo): Contudo, o homem não possui valor algum sem a vontade, uma vez que é a vontade — o espírito indomável — que impulsiona a superação e o desenvolvimento do homem. Enquanto os animais se deixam dominar pelo medo, a vontade emerge como uma força que o transcende.


Este grupo centra suas atividades na coesão cultural e na identidade étnica, valorizando as relações coletivas dentro de um grupo étnico ou nacional, e buscando preservar a integridade cultural e a solidariedade interna. Afirmam que a exclusividade cultural e a unidade entre os membros do grupo são fundamentais para a manutenção da identidade e da coesão social. A ênfase recai na preservação das tradições e na valorização da herança cultural como formas de fortalecer a coesão social e a identidade coletiva. O nacionalismo é interpretado como uma via para unir e proteger o grupo étnico, assegurando sua singularidade e promovendo a solidariedade entre seus integrantes. Este pilar busca evocar a memória dos grandiosos reinados solares do passado, personificados por figuras veneráveis como conquistadores, reis, imperadores, generais e líderes. A premissa fundamental reside na obediência a uma figura restauradora, com a expectativa de que prudência nas decisões, temperança nos atos e fortaleza nos símbolos nacionais, sejam as características preponderantes desse movimento. A antítese desse pilar é a instabilidade jurídica e política que permeia a realidade contemporânea, especialmente no contexto brasileiro. Em contraste, este grupo almeja encontrar inspiração nos sistemas jurídicos históricos, visando um ideal que confira propósito à sua luta. Seus defensores são críticos do Positivismo Jurídico, buscando respaldo na teoria do Jusnaturalismo, que enfatiza princípios universais de justiça e moralidade como fundamentos para a organização social.


Pensamento de tipo aristocrático.


Os Adeptos do Espirito: Ademais, a vontade por si só é destituída de substância, pois é pelo espírito que se alcança a verdadeira essência do ser — a forma mais elevada e sublime de existência! Enquanto a vontade se submete aos caprichos da alma, o ser permanece: puro, simples e eterno.


Este grupo concentra-se na preservação e promoção de valores espirituais e culturais, enfatizando a importância das tradições religiosas e culturais como fundamentos para a coesão social e a identidade coletiva. Afirmam que a ordem espiritual e a continuidade histórica são essenciais para manter a integridade e a estabilidade de uma sociedade. A tradição é concebida como um guia para o comportamento moral e social, e a manutenção dessas práticas é considerada crucial para a sobrevivência e o progresso cultural. O foco reside no desenvolvimento de uma elite intelectual que orientará o pensamento, as práticas e os valores que moldarão a sociedade desde suas raízes. Este é, possivelmente, o grupo que mais cresceu em adeptos nos últimos anos. Tende a buscar nas tradições, em vez da cultura ou técnica contemporânea, uma superação de seu contexto atual. Seu objetivo é construir um conteúdo que possua relevância intelectual e tradicional, capaz de transformar o ambiente, primeiramente pelo coração das pessoas que o compõem e, consequentemente, pelo meio em que vivem. Contrapõem-se ao ateísmo militante e à completa horizontalização da percepção humana, nutrindo um certo desprezo pelos materialistas e suas explicações técnicas sobre os assuntos abordados. Possuem critérios bem definidos sobre o que constitui uma tradição genuína e o que se reduz a meras falcatruas elaboradas. É crucial não confundi-los com os ocultistas frequentemente associados aos movimentos "new age" dos anos da revolução sexual. Embora possam ter um caminho heterodoxo, seu foco principal recai sobre a ortodoxia. Não é incomum encontrar adeptos de várias tradições místicas neste meio, que mantêm um respeito distante pelas chamadas "verdades metafísicas" contidas nas religiões de tradição reconhecida. No caso dos católicos, isso não implica necessariamente um reconhecimento de finalidade salvadora. Acima de tudo, valorizam a fé, considerada central para a prática religiosa e a crença nos ensinamentos divinos; o dever, que se mantém independente de resultados positivos ou negativos; e a caridade, cuja importância é autoexplicativa. Pensamento de tipo clerical.


O Coro dos Adeptos.


RELIGIÃO: A dissidência negligencia por completo a noção de um ateísmo não religioso; de fato, não existem ateus na dissidência. Isso não implica, contudo, na existência de uma coesão religiosa entre seus membros, mas sim no profundo respeito pela ideia de transcendência. Tal respeito é tão pronunciado que, por muitas vezes, os dissidentes parecem esquecer a existência de ateus no mundo, encarando essa posição como uma espécie de fetichismo cientificista. A perspectiva que adotam em relação à Igreja é frequentemente configurada como uma figura de autoridade inquestionável; quando um santo ou doutor da Igreja se pronuncia sobre um determinado assunto, seu texto adquire um peso astronômico dentro da discussão. Contudo, essa relação não é desprovida de ambivalência. Existe, talvez, um certo receio em transitar exclusivamente por essa via espiritual, o que leva os dissidentes a buscar explicações em autores antigos e até mesmo em pensadores modernos, que estabelecem uma transição contemporânea fundamentada em escritos do passado. Essa busca faz com que a dissidência seja extremamente receptiva à religião, especialmente no que tange ao pensamento religioso e à simbologia.


POLÍTICA: Há um consenso irrestrito de desgosto e desprezo pela atual instituição pública. Aqueles que se alinham mais proximamente ao conservadorismo anseiam por transformações tão profundas na estrutura do Estado que este, inevitavelmente, se tornaria algo completamente distinto de sua forma atual. A ideia da dissolução total do Estado ecoa como um coro uníssono entre os dissidentes. Até mesmo os anarquistas não clamam pelo esfacelamento absoluto da hierarquia natural; ao contrário, compreendem a realidade de forma mais pragmática. Eles vislumbram a construção de pequenas comunidades voluntárias e hierarquizadas como a solução viável. Assim, negar a legitimidade do Estado não implica negar a realidade dos fatos. O sentimento do dissidente em relação ao Estado vigente pode ser exemplificado por uma completa desesperança, apatia e pessimismo, na expectativa de que tudo sempre termine "em pizza". Reconhecem que todos os políticos, independentemente do cargo que ocupem, são mais do mesmo, acabando, queira-se ou não, por servir a um mesmo propósito. Para o dissidente, não há uma verdadeira dicotomia entre "esquerda e direita"; todos os políticos são vistos como iguais, personas non gratas. Consideramnos, inclusive, patéticos e repulsivos, indignos até mesmo de compaixão.


FAMILIA: A instituição familiar é amplamente valorizada, assim como sua idealização tradicional. Para muitos dissidentes, o ideal consiste em uma mulher honrada, um homem digno e filhos promissores, com os quais possam conviver e educar para que se tornem verdadeiramente melhores. Este se configura como o objetivo supremo da maioria dos dissidentes, podendo-se afirmar que é uma grande aspiração comum, especialmente no que tange à proteção dessa instituição. Nascidos de disfuncionalidades familiares das quais nunca foram verdadeiramente beneficiários, eles buscam reconstruir seu próprio pequeno reino, onde poderão exercer sua soberania. Críticos profundos da maneira como a geração anterior de seus pais, alienados e imersos em um orgulho exacerbado, moldou esta sociedade deficitária, frequentemente se veem como a figura mais inteligente de suas residências. Nos casos mais extremos, sentem uma necessidade de distanciamento, motivada pelo desprezo. Apesar das adversidades e obstáculos impostos pela geração precedente, os dissidentes mantêm, ainda que de forma ilusória, a persistência de seus sonhos, dispostos a sacrificar tudo que possuem pelo bem-estar de suas famílias.


SEXO E GENERO: Há uma total negação da reavaliação dos papéis de gênero, acompanhada de uma rejeição completa aos homossexuais de todas as categorias. Estes são considerados insustentáveis e indesejáveis para uma sociedade saudável, vistos como pecaminosos, assim como a quebra harmônica das funções naturais atribuídas ao homem e à mulher. A inversão total dos papéis — onde a mulher se apresenta como masculinizada e o homem, como afeminado — é percebida não apenas como contraintuitiva, mas também como absolutamente irreal e fantasiosa. Homens que se sentem privados de sua virilidade expressam sua rejeição a tudo que consideram frágil, sutil ou afetado, frequentemente dedicando-se a atividades físicas intensas e a uma constante autoavaliação. Figuras de mulher carrancuda e apática, bem como homens afetados e excessivamente sentimentais, não são mais aceitas. Essa postura pode variar em graus, desde uma "caça aos gays" até uma forma de afastamento do tipo "quem quiser que seja, mas na minha casa, não".


ABORTO: O aborto é veementemente denunciado como um ato de assassinato, com justificativas contemporâneas como "emancipação sexual" e "planejamento familiar" sendo vistas como meros eufemismos para um crime de magnitude grave. A dissidência condena a decisão de interromper vidas não nascidas, considerando-a um ato egoísta e presunçoso. Há um consenso de repulsa entre os dissidentes, que se mostram firmemente determinados a erradicar o que percebem como o assassinato de crianças. Eles se engajam ativamente na luta por mudanças nas políticas que envolvem a vida e o nascimento, buscando resgatar uma visão que valorize a proteção da vida desde a concepção.


ECONOMIA: Este, talvez, represente o principal campo de divergências dentro do movimento, mas é possível identificar padrões comuns que enfatizam a eficiência e a responsabilidade. A descentralização massiva e a desconfiança em relação à capacidade do Estado de gerir recursos econômicos são pilares da mentalidade dissidente. Essa postura busca, acima de tudo, uma emancipação tanto dos bancos quanto do próprio Estado, seguindo a filosofia do “faça você mesmo”. Enquanto os governantes nutrem a crença em um progresso contínuo e na expansão da riqueza, esta geração dissidente enxerga a crise econômica como uma constante. Eles salientam que o otimismo econômico do passado se transformou em uma realidade repleta de dificuldades e incertezas. A descrença generalizada no sistema atual provoca um profundo descontentamento entre os dissidentes, que se opõem quase totalmente ao assistencialismo e às cotas raciais. Consideram que essas políticas, assim como outras iniciativas voltadas para a acessibilidade e a intervenção econômica em áreas deficitárias, contribuem para uma distribuição injusta e disfuncional dos impostos, levando a economia a um colapso semelhante ao que enfrentam em suas próprias vidas.


NACIONAL-SOCIALISMO: O Nacional-Socialismo exerceu uma influência profunda e duradoura sobre a concepção do governo atual. Nenhum outro indivíduo moldou a visão de mundo contemporânea com tamanha intensidade quanto Adolf Hitler. O nazismo, notoriamente caracterizado por seu racismo, provocou a adoção de uma postura "anti-racista" como resposta a suas atrocidades. Se o nazismo se fundamentava em um nacionalismo exacerbado, o movimento em questão busca, com fervor, uma perspectiva internacionalista. Da mesma forma, dada a natureza militarista, fascista e imperialista do nazismo, observa-se uma tentativa deliberada de adotar posições opostas, como o anti-militarismo, o anti-fascismo e o anti-imperialismo. Hoje, a geração contemporânea parece não se assustar tanto com os fantasmas do nazismo quanto com o fardo de impostos exorbitantes sobre produtos de baixo valor. Isso implica uma adesão direta a essas ideologias? Não necessariamente. Essa constatação sugere apenas que as táticas de medo e manipulação associadas a essa ideologia já não exercem a mesma eficácia sobre esses indivíduos, que frequentemente percebem as ações e políticas governamentais como equivocadas ou dignas de escárnio.


DIVERSIDADE: A diversidade é frequentemente exaltada como um princípio absoluto, demandando um escrutínio rigoroso das intenções subjacentes a essa celebração. O temor de ser acusado de racismo e de enfrentar a condenação pública por interpretações equivocadas é avassalador para muitos. Embora o conceito de diversidade apresente um apelo teórico, prometendo um mundo plural e heterogêneo, onde as realidades não são exatamente o que parecem, essa visão pode se tornar problemática. A dissidência observa que essa "heterogeneidade" frequentemente resulta em uma uniformização global, onde as nações acabam por compartilhar características similares às de uma cultura dominante. Exemplos como cadeias de fast food, estacionamentos padronizados, infraestrutura urbana homogênea e sinais bilíngues evidenciam uma ausência de verdadeira diversidade. Em vez de fomentar um contraste vibrante, a mistura indiscriminada de culturas resulta em uma homogeneidade disfarçada de pluralidade. Assim, a diversidade em escala global pode, paradoxalmente, demandar uma homogeneidade em escala local.


COPE


A fantasia é o refúgio daquele que sente, no íntimo, o peso esmagador das limitações do mundo real. Não se trata, porém, de um simples abandono à futilidade dos devaneios; é, antes, uma busca ardente por reinos perdidos, por mundos ainda não moldados, onde a beleza, a justiça e a ordem, como estrelas eternas, brilham sobre o caos das eras. Ao afastar-se da rude materialidade da existência, o espírito encontra vastas terras interiores e horizontes coletivos que lhe permitem vislumbrar uma nova realidade — não como um delírio vago, mas como um canto de reconstrução e esperança. Na criação de mundos alternativos, o indivíduo dá forma ao inconformismo que o atormenta. Tais visões não são meras sombras, mas espelhos de desejos profundos por uma ordem ideal, onde virtudes esquecidas caminham de mãos dadas com a glória perdida. A fantasia, assim, assume o papel de uma tocha que ilumina os labirintos da sociedade, guiando o olhar para além do véu das convenções e suscitando perguntas que o tempo presente teme responder. Não é raro que em histórias como as de Tolkien surjam exemplos dessa busca. Nelas, encontramos sociedades hierárquicas e enraizadas em valores eternos, como a coragem que enfrenta o desespero, a honra que não cede ao orgulho e o sacrifício que é coroado pela redenção. Esses mundos, ainda que fictícios, contrastam violentamente com a fragmentação da modernidade, denunciando, de forma sutil e poderosa, a perda de raízes e o vácuo espiritual que acompanha a cobiça sem alma. Mais do que um véu entre o sonhador e a realidade, a fantasia é uma ponte que conduz o espírito a terras transcendentais, muitas vezes esquecidas por aqueles que vivem acorrentados às demandas do agora. Nessa travessia, o imaginário não é apenas uma fuga, mas uma reconexão com os grandes símbolos e narrativas que atravessaram as eras. É o eco dos mitos, o sussurro das tradições e o chamado das estrelas que insistem em guiar os errantes de volta ao caminho. Em meio a tais sonhos, não é incomum ver o homem imaginar-se no papel de herói. Ele cavalga contra exércitos maiores, luta por causas justas e vislumbra o calor de um lar, com esposa e filhos à sua volta. Essas visões são mais do que simples fantasias; são a expressão de um desejo inabalável por algo maior, um chamado a se erguer acima da monotonia. Ao retornar à realidade, ele percebe as faltas deste mundo, e, inspirado por seus devaneios, começa a moldá-lo — mesmo que de forma tímida, como um escultor iniciante. Se os grandes homens de outrora eram saudáveis e justos, a isso dedicará sua atenção. Se os comandantes do passado lideraram com honra, ele rejeitará os vícios do presente em busca de algo que transcenda o material. A fantasia, ridicularizada por muitos como simples “cope”, é, na verdade, a semente de uma grandeza latente. O homem que sonha em moldes heroicos amadurece, e, quando o destino lhe conceder poder, ele agirá não como um fantoche do acaso, mas como alguém movido por princípios sólidos e uma visão elevada. Pois símbolos heroicos e modelos a seguir são o que o homem moderno carece profundamente. Sem eles, não há estrutura para os sonhos; sem eles, a vida parece carecer de propósito. Aquele que adentra o imaginário e lá encontra heróis dignos de serem seguidos é também aquele que, no momento derradeiro, estará disposto a morrer de forma grandiosa, em defesa de algo maior que si mesmo. Afinal, ninguém muda o mundo sem antes acreditar, no âmago de seu ser, que o mundo pode — e deve — ser mudado.


DESAFIO AO LEITOR


Proponho ao leitor um desafio de perspectiva fantástica e literária, uma oportunidade para expandir os horizontes da imaginação. O que apresento aqui é o que considero uma "Cosmogonia Brasileira", não com o propósito de iniciar uma jornada, mas como um exercício de treinamento intelectual. Convido o leitor a exercitar sua capacidade de enxergar o mundo de maneira fantástica, a analisar e especular sobre o matrimônio cósmico que estou prestes a delinear. O objetivo é que, ao refletir sobre essa concepção, o leitor realize seu próprio silogismo simbólico dentro da história brasileira — uma história que se estende pelo passado, se desenrola no presente e se projeta para o futuro, tudo acontecendo simultaneamente em um único e fascinante momento.


O Matrimônio Cósmico do Brasil


O Brasil emerge como fruto de uma união sagrada entre o Céu Ancestral, a abóbada que tudo observa e contém, e a Terra Primeva, o ventre fecundo que tudo gera e nutre. Este enlace cósmico dá origem a um Primogênito, o Portador do Eixo, cujas emanações radiantes são como raios urânicos, capazes de conter a fúria indômita da Terra. Porém, o equilíbrio entre Céu e Terra é efêmero. O Céu, desafiado pela foice inexorável do destino, é ferido e tombado. Em seu lugar ergue-se o Guardião do Tempo, que toma a Terra como sua consorte. Sob seu domínio, a essência da Terra é exaltada em símbolos, enquanto sua riqueza natural é saqueada em segredo. A Terra Primeva, insatisfeita, dá à luz uma nova geração: bestas selvagens, frutos da união forçada entre ela e o Guardião. Essas criaturas, rebeldes e violentas, disseminam o caos, consumindo as dádivas de sua mãe sem nutrir suas raízes. A Terra espera, pois sabe que o Guardião não é eterno. Apenas um Hierofante, moldado por tribulações e forjado no espírito do amor sagrado, pode resgatar sua sacralidade. Aquele que virá deverá transcender o ciclo da profanação e restaurar o equilíbrio perdido. Então, no horizonte mítico, vislumbra-se uma caçada selvagem. Os filhos de Vênus – portadores da chama do amor divino e da força criadora – preparam-se para reivindicar a Terra Primeva. Essa caçada é mais do que uma batalha; é uma purificação, uma luta contra as bestas que simbolizam a traição e a decadência do velho panteão. A Terra Amazônica, saqueada por aqueles que juraram protegê-la, ecoa a sina de suas terras irmãs na Ibéria, também traídas por seus próprios filhos, os Visigodos. O Arquiteto do Destino, herdeiro espiritual do Portador do Eixo, conduz essa retomada como um ato de justiça cósmica. Ele não busca apenas conquistar, mas redimir. Assim como na Europa, onde as terras da alma ancestral são resgatadas de mãos indignas, o Brasil será devolvido ao seu estado original de harmonia, não pela violência estéril, mas pelo renascimento. No final, a Terra Primeva será desposada não por aqueles que a exploram, mas por aqueles que a amam. Uma nova classe de Deuses se erguerá, filhos de Vênus, trazendo consigo a síntese perfeita entre espírito e matéria. Gaia Amazônica, o ventre da criação, encontrará finalmente o consorte digno, e o Brasil se tornará o palco do Matrimônio Cósmico consumado, onde o Céu e a Terra dançam em eterna unidade.


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