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Horizontes Fragmentados: A Europa como império e o Neomedievalismo na reconstrução da Ordem Europeia

Foto do escritor: O VanguardaO Vanguarda


As ruinas do Vestifalianismo e o paradigma Rizomatico


Muito se especulou sobre o futuro da Europa, essa que é hoje o centro da civilização ocidental, mas não tantos quanto agora sob a sombra do expansionismo Eurasiano e a possivel iminencia de uma terceira guerra total que assolará o globo. O declínio das estruturas centralizadas do estado-nação e a crescente fragmentação política e cultural representam dois dos fenômenos mais significativos da modernidade tardia. Em um mundo marcado pela globalização, pela ascensão de tecnologias descentralizadoras e pela pluralidade cultural, a União Europeia, como projeto político, encontra-se no centro desse redemoinho de transformações. Como reconciliar a necessidade de coesão institucional com a crescente heterogeneidade de seus membros? O polones professor da universidade Oxford Jan Zielonka em sua obra "Europe As Empire: The Nature of the Enlarged European Union" traça essas mudanças historicas e culturais e propõe um modelo ousado e contraintuitivo: o Neomedievalismo.


A União Europeia e o Desafio do Neomedievalismo: Um Ensaio Sobre o Futuro Descentralizado


Em contraste com a afirmação do "pai fundador" da União Europeia, Jean Monnet, que declarou que "as instituições governam as relações entre as pessoas. Elas são os verdadeiros pilares da civilização", o diagnóstico fundamental de Jan Zielonka sobre o mal-estar contemporâneo da UE indica que, à medida que a União Europeia se expandiu, ela incorporou uma diversidade crescente de nações e características nacionais, tornando cada vez mais impossível a criação de um superestado centralizado e burocrático de natureza vestfaliano. Zielonka, portanto, argumenta que o sonho de uma união europeia unificada e controlada por um centro de poder singular é não só indesejável, mas, sob as condições atuais, praticamente inviável (p.9).


Esta heterogeneidade da União Europeia, entretanto, não é um fenômeno isolado. Ela é acelerada pelas forças descentralizadoras advindas da revolução tecnológica do final do século XX e início do século XXI, especialmente através da internet e das mídias sociais, cujos efeitos achatadores, fragmentadores e descentralizadores se opõem diametralmente ao impulso centralizador dos desenvolvimentos tecnológicos do século XIX, como eletricidade, vapor e aço, que possibilitaram a territorialidade do estado-nação moderno. Assim como argumenta Zielonka, as "possibilidades materiais de controlar grandes regiões da Terra" (p.9) — baseadas em uma centralização física e burocrática — tornam-se obsoletas na medida em que o mundo se vê envolvido em um novo processo de fragmentação.


Em resposta a este dilema, Zielonka sugere que a União Europeia, em vez de aspirar a uma centralização vestfaliano, deve buscar um modelo mais adequado à sua constituição pluralista e fragmentada do Neomedievalismo. Essa perspectiva parece ressoar com as ideias de Curtis Yarvin em Patchwork, onde ele propõe uma transformação radical das estruturas políticas através da fragmentação da soberania em sovcorps (corpotações soberanas) autônomas, associadas não a um Estado centralizado, mas a uma rede de pequenos governos locais que coexistem em um espaço político mais aberto e fluido. Yarvin sugere que, em vez de uma estrutura unificada e totalitária, a política deve se reconfigurar como um "patchwork" — uma tapeçaria de ordens políticas autônomas, descentralizadas e interconectadas.


No mesmo espírito, Guillaume Faye, em sua obra Archeofuturismo, antecipa um movimento de retorno a uma forma de organização social que rejeita a ideia de um estado universalista e globalista em favor de um resgate das tradições regionais e identidades locais. Faye sugere que, enquanto o projeto da UE avança para uma integração cada vez mais homogeneizadora, uma resistência emergente poderia reivindicar uma Europa mais descentralizada, análoga à Europa feudal, onde o pluralismo, longe de ser sinônimo de caos, seria a chave para uma sociedade mais estável e culturalmente rica.


O conceito de rizoma de Deleuze, oferece uma poderosa metáfora para pensar o futuro da União Europeia e suas potencialidades. O rizoma, ao contrário da árvore, não possui um ponto central de origem ou um topo hierárquico. Ele é um sistema de ramificações horizontais, onde qualquer parte pode se conectar a qualquer outra, sem uma estrutura rígida ou linear. O rizoma, assim, parece ilustrar o que Zielonka vislumbra como o futuro da UE: uma "política policêntrica penetrando em vez de controlar seu ambiente" (p.2), uma política que, como o rizoma, se espalha de maneira descentralizada, sem um centro de comando absoluto. A analogia com o sistema medieval, como destaca Zielonka, é clara: "a autoridade pública era fragmentada e privatizada", e "não havia monopólio na elaboração de leis" (p.10). Essa fragmentação do poder, esse tipo de 'colcha de retalhos' de soberanias e direitos sobrepostos, é precisamente o que o rizoma em Deleuze e o Neomedievalismo em Zielonka parecem propugnar como a via para a Europa do futuro.


Fragmentação e Pluralismo: A Nova Ordem da União Europeia


Na Europa medieval, ao contrário do império centralizado de Roma, as fronteiras não eram rígidas e intransponíveis, mas mais fluidas, compostas por "limes" e "marches", zonas de fronteira que estavam em constante movimento e reconfiguração. A sociedade medieval, longe de ser uma máquina vestfaliana, foi concebida como um corpo e seus órgãos, com a ordem social organizada de forma orgânica, como um sistema de entidades interconectadas. Este modelo, em vez de depender da centralização e da rigidez da autoridade, favorecia a pluralismo — uma concepção que Zielonka destaca como sendo fundamental para a sobrevivência e prosperidade da Europa em um futuro cada vez mais fragmentado.


"Neomedievalismo não é sinônimo de anarquia e caos", escreve Zielonka (p.12). Em um eco das ideias de Nick Land, que observa como o capitalismo acelerado e as tecnologias descentralizadoras desafiaram as formas tradicionais de soberania, o Neomedievalismo pode ser visto como uma maneira de canalizar a crescente diversidade e fragmentação em um novo modelo de governança, onde múltiplas identidades, formas de autoridade e redes de poder coexistem sem uma hierarquia centralizada. Para Land, a fragmentação da autoridade não é necessariamente um sinal de enfraquecimento do Estado, mas um reflexo da emergência de novas formas de poder que estão além do controle tradicional do Estado-nação.


Tecnocomunismo Neofeudal: A Visão de Murphy e a Fragmentação da Sociedade


No entanto, a fragmentação não é apenas um processo que ocorre de forma espontânea ou natural. As forças tecnológicas, conforme argumentado por Nick Land, possuem uma capacidade aceleradora que pode amplificar a desintegração das estruturas políticas tradicionais. Como algumas vertentes do pensamento aceleracionista sugerem, a crescente fragmentação social, impulsionada pela internet e pelas redes sociais, poderá levar ao colapso dos Estados-nação e ao surgimento de novas formas de organização social, mais localizadas e orientadas por interesses particulares.


Murphy, seguindo essa linha de pensamento, recorre ao conceito deleuziano de Linhas de Voo, que podem ser vistas como as trajetórias de fuga possíveis dentro das "ruínas" do estado moderno, propugnando um modelo de Tecnocomunismo Neo-Feudal. Neste modelo, uma espécie de contrato inteligente regula a vida em comunidade, onde as pessoas são incentivadas a produzir e contribuir de acordo com suas capacidades, mas também são recompensadas por sua produtividade, criando uma sociedade que, embora descentralizada e pluralista, ainda consegue manter um certo grau de hierarquia e de respeito mútuo. O conceito de tecnologia vestível, que monitoraria constantemente as interações e comportamentos dos cidadãos, reflete uma forma de controle que não passa por um centro de comando único, mas por uma rede descentralizada de vigilância e autorregulação.


A Fragmentação como Oportunidade para a Renovação


A proposta de uma Europa "Neomedieval" não é, portanto, uma rejeição da ordem, mas uma reinvenção da mesma, em um contexto em que as forças descentralizadoras da modernidade encontram seus reflexos mais nítidos nas novas tecnologias. A desintegração do Estado-nação e a ascensão de novos modelos de poder localizados e plurais oferecem uma oportunidade de criar uma nova ordem europeia, que seja mais flexível, mais respeitosa da diversidade e mais capaz de refletir as complexidades da realidade social contemporânea. Em vez de buscar uma centralização entorpecente, uma verdadeira renovação democrática na União Europeia poderia ser encontrada no fortalecimento das idiossincrasias regionais e na descentralização radical das estruturas de poder.


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